Nos dias atuais, é muito disseminada a crença de que nossas alternativas morais, culturais e políticas estão limitadas às ideias da esquerda secular e relativista; ou às ideias da direita religiosa e absolutista; ou ainda a uma mistura condescendente das duas. A partir da filósofa Ayn Rand, o objetivismo veio para rejeitar esse falso cenário de alternativas pré-fixado e oferecer uma visão inteiramente diferente do mundo.
O objetivismo é totalmente secular e absolutista; não sendo de esquerda, nem conservador e tampouco uma mescla destes dois vieses. Ao invés disso, ele reconhece e ressalta a origem e a natureza dos princípios e fundamentos morais de uma sociedade livre e plenamente civilizada.
Do ponto de vista moral, o objetivismo defende as virtudes do auto interesse racional. Entre algumas destas estão: o pensamento independente e a produtividade; a justiça, a honestidade e a auto responsabilidade.
Já do ponto de vista cultural, o objetivismo defende o avanço científico e o progresso industrial; a educação objetiva, oposta à “progressista” ou à baseada na fé; a arte romântica; e, acima de tudo, a reverência pela faculdade que torna todos esses valores possíveis: a razão.
Do ponto de vista político, o objetivismo defende o puro capitalismo laissez-faire – o sistema social dos direitos individuais e do governo estritamente limitado – junto com toda a estrutura moral e filosófica da qual ele depende.
AS ORIGENS DO OBJETIVISMO
Rand descreveu o objetivismo como “uma filosofia para viver na Terra.” A razão pela qual ela é uma filosofia para viver na Terra é porque o seu princípio-base é derivado dos fatos observáveis da realidade e dos requerimentos demonstráveis da vida e da felicidade humanas.
Enquanto sistema filosófico, o objetivismo inclui uma visão da natureza da realidade e dos meios de conhecimento e sobrevivência do homem; de uma moralidade adequada e de um sistema social adequado; assim como, da natureza e do valor da arte.
Ayn Rand apresentou esta filosofia em suas muitas obras de ficção e não ficção, tais como A Nascente, A Revolta de Atlas e Philosophy: Who Needs It, por exemplo.
Há um amplo leque de assuntos tratados no objetivismo, muito mais do que poderia ser abordado em um único livro, quiçá em um único artigo. Além disso, nem eu nem ninguém – a não ser Rand – poderia falar plenamente pelo objetivismo.
Portanto, o que se segue é uma condensação dos pontos essenciais desta vertente tal como eu a entendo. Logo, qualquer erro nesta apresentação é de inteira responsabilidade minha.
A NATUREZA DA REALIDADE
O objetivismo defende que a realidade é um dado absoluto – que os fatos independem das esperanças de alguém. Nesse sentido, existe um mundo desvinculado de nossas mentes ao qual devemos comparar nossas ideias para descobrir se são verdadeiras. E também, para viver, perseguir valores e proteger direitos.
Assim, o objetivismo rejeita a ideia de que a realidade é, em última análise, determinada pela opinião pessoal, convenção social ou “decreto divino”. As ideias ou crenças de um indivíduo não fazem da realidade aquilo que ela é, nem podem alterar diretamente qualquer coisa a respeito dela.
Na prática, ou as ideias correspondem aos fatos da realidade, ou não. Uma pessoa pode pensar que o Sol gira ao redor da Terra (como algumas, de fato, pensam); mas isso não faz com que seja verdade.
Sobre a cultura
Da mesma forma, ideias ou normas aceitas por uma sociedade ou cultura não têm efeito sobre a natureza da realidade. Algumas culturas defendem que a Terra é plana, que a escravidão é boa e que as mulheres são mentalmente inferiores aos homens. Tais crenças não alteram a natureza como ela é; elas a contradizem; são falsas.
Quanto à alegada existência de um ser “sobrenatural” que cria e controla a realidade, não há evidência ou argumento racional em apoio a tal alegação. As coisas na natureza podem ser evidência apenas da existência de coisas na natureza. Por exemplo, o registro fóssil é evidência para a evolução; não para coisas “fora da natureza”, “acima da natureza” ou “além da natureza”.
Visto que a natureza é tudo o que há; é a soma daquilo que existe; qualquer coisa “fora da natureza” seria alguma coisa “fora da existência”. Então, a natureza não é evidência da existência de uma “sobrenatural”.
Não há evidência para a existência de um ser “sobrenatural”; existem apenas livros, tradições e pessoas que dizem que ele existe. Afirmações livres de evidência, apelos à tradição e à autoridade não são argumentos racionais; são falácias nos livros-texto de lógica.
Em suma, nem crenças individuais, nem consenso generalizado, nem a vontade de um ser “sobrenatural” têm qualquer efeito sobre a natureza real do mundo. A realidade não é criada ou controlada por consciências.
VIVENDO A REALIDADE
A realidade simplesmente é. A existência simplesmente existe – e tudo nela é algo específico; tudo é aquilo que se é e pode agir apenas de acordo com a sua identidade.
Logo, uma rosa é uma rosa; ela pode florescer; ela não pode falar. Uma ditadura é uma ditadura; ela destrói a vida; ela não pode promover a vida. Fé é fé; leva a crenças sem fundamento e não pode fornecer conhecimento.
O significado prático desse ponto é que se as pessoas querem atingir seus objetivos, elas devem reconhecer e abraçar a natureza da realidade.
A realidade não se curva aos nossos desejos; nós é que devemos nos conformar às suas leis. Se quisermos conhecimento, devemos observar a realidade e pensar; caso almejemos riqueza, devemos produzi-la; se desejamos aproveitar a vida, devemos pensar, planejar e agir de forma apropriada.
Por fim, se quisermos liberdade, devemos identificar e lutar por ela. Pois não podemos atingir tais objetivos desejando, votando ou rezando.
O MEIO DE CONHECIMENTO DO HOMEM
O objetivismo sustenta que a razão – a faculdade que opera por meio da observação e da lógica – é a maneira de os seres humanos obterem conhecimento. Isto é, ao percebermos a realidade com nossos cinco sentidos, nós formamos conceitos e princípios. Depois, verificamos em nossas ideias a consistência destes com a realidade, e corrigimos quaisquer contradições que descobrimos em nossos pensamentos.
Essa é a forma como cientistas descobrem fatos em vários campos de estudo, desde os princípios da agricultura e a existência dos átomos, à estrutura do DNA. É também como inventores e engenheiros projetam máquinas e dispositivos que facilitam nossas vidas.
A razão é o meio pelo qual todos os seres humanos, independente da idade, aprendem sobre o mundo, sobre si mesmos e sobre suas necessidades. Assim, todo o conhecimento humano é um produto da observação perceptual e da inferência lógica a partir dela.
Por esse motivo, o Objetivismo rejeita todas as formas de misticismo – a ideia de que o conhecimento pode ser adquirido por meios não sensoriais e não racionais. Em contrapartida, o objetivismo igualmente rejeita o ceticismo – a ideia de que algum conhecimento não pode ser adquirido por nenhum meio.
Afinal, o ser humano claramente pode adquirir os mais diversos tipos de conhecimento. Ele já o adquiriu antes e continuará a adquiri-lo; isso é evidente pelo fato de tudo o que o homem já realizou até aqui. Basta que utilize a lógica para saber o que é verdadeiro e correto.
A NATUREZA E O MEIO DE SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM
O objetivismo defende que o ser humano tem livre-arbítrio – a capacidade de pensar ou não pensar; de usar a razão ou não usá-la; de seguir os fatos ou seguir os sentimentos.
Portanto, uma pessoa não tem a obrigação de usar a razão; essa escolha cabe a ela fazer. Entretanto, seja qual for a escolha de um indivíduo, mantém-se o fato de que ele é um animal racional, sendo a razão seu meio básico de sobrevivência. Logo, uma pessoa que se recusa a usar a razão não pode viver e progredir.
Na prática, o ser humano sobrevive pela observação da realidade, identificando a natureza das coisas, descobrindo relações causais e fazendo as conexões lógicas necessárias para produzir as coisas das quais ele necessita para viver.
À medida que uma pessoa escolhe usar a razão, ela é capaz de identificar e perseguir aquilo de que precisa para a sua sobrevivência e à sua felicidade. Entre estas “coisas” estão: conhecimento, alimento, abrigo, cuidados médicos, arte, recreação, romance e liberdade.
Por outro lado, ao passo em que uma pessoa opta por não usar a razão, ela é incapaz de identificar ou perseguir esses requisitos. Então, ou ela morrerá ou sobreviverá parasitariamente das mentes daqueles que optaram usar a razão. Em qualquer caso, a razão é o meio básico de sobrevivência do ser humano e o livre arbítrio é a essência da sua natureza.
A corrupção
O objetivismo rejeita a noção de que a natureza do ser humano é inerentemente corrupta. Ideia que tem base tanto no “pecado original” quanto na visão hobbesiana, que trata o caráter das pessoas necessariamente como depravado ou bárbaro.
No entanto, o objetivismo também rejeita a ideia de que o ser humano não tem qualquer natureza. Por exemplo, a interpretação distorcida, moderna, do homem como uma “folha em branco”. Isso porque tal ideia faz do caráter uma consequência de forças sociais como, por exemplo, a criação familiar e as condições econômicas.
Na verdade, o caráter de uma pessoa não é inerentemente ruim, nem o produto de forças sociais. Pelo contrário, é uma consequência de suas escolhas. Se um indivíduo escolhe encarar os fatos, pensar racionalmente, ser produtivo e, dessa forma, desenvolver um bom caráter, isso será sua realização.
Assim, caso um indivíduo escolha não encarar os fatos, não pensar, não produzir e assim por diante, a construção de um mau caráter será inteiramente sua culpa.
Por fim, todos os seres humanos têm livre-arbítrio. E esse fato é o que dá origem à sua necessidade da moralidade: um código de valores para guiar suas escolhas e ações.
A MORALIDADE ADEQUADA
O objetivismo defende que o propósito da moralidade é fornecer às pessoas orientação, por meio de princípios, para a vida e a realização da felicidade na Terra. O padrão de valor moral adequado, portanto, é a vida do homem. Isso significa que os requerimentos factuais de sua vida são estabelecidos pela sua natureza.
Os seres humanos são indivíduos, cada um com seu próprio corpo, sua própria mente e sua própria vida. Esse padrão diz respeito a todos os seres humanos enquanto indivíduos. Logo, uma pessoa não é uma engrenagem em um aparelho coletivo.
De acordo com esse princípio, o bem é aquilo que sustenta ou promove a vida de um indivíduo. Já o mal é aquilo que a retarda ou destrói. Assim, ser moral consiste em tomar as ações necessárias para sustentar e promover a própria vida.
Ações tais como pensar racionalmente e planejar o futuro, ser honesto e ter integridade, por exemplo. Em resumo, o objetivismo defende que ser moral consiste em ser racionalmente egoísta.
O egoísmo racional
Essa é a peça central do objetivismo, defendendo que cada indivíduo deve agir em seu próprio interesse, sendo o devido beneficiário de sua própria ação moral. Esse princípio é o reconhecimento do fato de que, a fim de viver, as pessoas devem desempenhar ações auto interessadas e colher os benefícios disso. A vida humana requer egoísmo. (Eu uso “egoísmo racional” e “egoísmo” mutuamente por razões que se tornarão claras).
Nesse sentido, o objetivismo rejeita a moralidade do altruísmo – a ideia de que ser moral consiste em se sacrificar servindo aos outros. Nós também rejeitamos a ideia de que a predação – o sacrifício dos outros para o suposto benefício particular – pode promover a própria vida e felicidade.
Por fim, o objetivismo também rejeita o hedonismo – a ideia de que ser moral consiste em agir de qualquer forma que lhe dê prazer, ou pelo que lhe dê vontade de fazer.
Sobre o altruísmo
Ao contrário da concepção errônea amplamente difundida, não é a moralidade de “ser agradável às pessoas” ou “fazer alguma coisa pelos outros”. Na verdade, é a moralidade do auto sacrifício – isto é, de servir aos outros à custa dos valores que servem à sua própria vida.
O princípio básico do altruísmo é que, para ser moral, uma ação deve ser abnegada. Ou seja, à medida que uma pessoa age abnegadamente, ela é moral. Se ela abre mão de um valor em troca de nenhum ganho, ela está sendo moral; se ela ganha algo com a ação, ela não está sendo moral.
Por exemplo, se um trabalhador voluntário abre mão do seu tempo e esforço em troca de absolutamente nada, ele está sendo moral. Se um desenvolvedor de software cria um produto que as pessoas amam, comercializando-o com elas com vistas ao lucro, ele não está sendo moral. Assim diz o altruísmo. Mas não é o que diz o egoísmo.
O egoísmo, que também é amplamente mal interpretado, não é a moralidade de “apunhalar as pessoas pelas costas para conseguir o que se quer” ou “agir de acordo com desejos incontrolados”. Essas são caricaturas do egoísmo perpetradas pelos defensores do altruísmo que querem que as pessoas acreditem que as únicas alternativas são: sacrificar a si mesmo ou sacrificar os outros. Essas, de acordo com o objetivismo, não são as únicas alternativas.
O egoísmo é a moralidade da negação do sacrifício. Ele rejeita todas as formas de sacrifício humano – tanto o auto sacrifício quanto o sacrifício dos outros – como uma questão de princípio. Ele defende que ser moral consiste em perseguir racionalmente os valores que promovem nossa vida, não sacrificando a si ou os outros no processo.
O egoísmo defende o princípio da negação do sacrifício – a ideia de que nunca se deve abrir mão de um valor maior em prol de um valor menor. Esse princípio é o reconhecimento do fato de que desistir dos requerimentos da própria vida e felicidade é se opor à própria vida e felicidade.
“Toda escolha é uma perda“
É claro, a vida requer que as pessoas regularmente abram mão de valores menores em prol de maiores; entretanto, esses são ganhos, não sacrifícios. Um sacrifício é desistir de algo que é mais importante para a própria vida e felicidade em prol de algo que é menos importante para a própria vida e felicidade; assim, um sacrifício resulta em uma perda líquida.
A fim de viver, as pessoas devem perseguir valores, e não abrir mão deles. Portanto, de acordo com o egoísmo, à medida que uma pessoa persegue os valores que promovem sua vida e se recusa a sacrificá-los, ela está agindo moralmente; à medida que não, ela não está agindo moralmente.
Se ela produz valores e os permuta com os outros por um ganho (seja material ou espiritual), então ela está sendo moral; ela está obtendo os valores dos quais a sua vida e a sua felicidade dependem. Se ela abre mão dos seus valores em troca de ganho nenhum (nem material, nem espiritual), então ela está sendo imoral; ela está renunciando aos valores dos quais a sua vida e a sua felicidade dependem.
Sob esse ponto de vista, um desenvolvedor de software que comercializa seu produto com os outros em busca de lucro está sendo moral. Um trabalhador social voluntário que abre mão de seu tempo e esforço em troca de nada está sendo imoral com isso.
Da mesma maneira, um pai que valoriza a educação de seu filho mais do que valoriza um carro novo esportivo, e que desiste do carro em troca de pagar pela educação, está sendo moral; um pai que valoriza a educação mais do que o carro, mas que abre mão da educação para poder comprar o carro, está sendo imoral.
Similarmente, um soldado que luta pela liberdade sob a premissa de que uma vida sem liberdade não vale a pena ser vivida (“Dê-me liberdade, ou dê-me a morte!”) está sendo moral; aquele que luta em obediência aos mandamentos de um alegado ser “sobrenatural”, não está. E assim por diante.
Egoísmo x Altruísmo
Existe uma diferença radical entre permutar valores por ganhos e abrir mão de valores por nada. O egoísmo defende o primeiro; o altruísmo defende o segundo.
O egoísmo é derivado dos requerimentos da vida humana na Terra. Assim, as pessoas podem praticá-lo consistentemente e devem fazer isso – se elas quiserem viver e fazer o máximo das suas vidas.
Já o altruísmo não pode ser praticado consistentemente. Uma pessoa que aceita a moralidade do altruísmo deve burlá-la simplesmente para permanecer viva. Por exemplo, ela deve egoisticamente ganhar um salário para que possa comprar comida.
Dado os diversos valores dos quais a vida e a felicidade humana dependem – materiais e espirituais – as pessoas precisam de uma grande medida de orientação ao fazer escolhas e desempenhar ações.
Isto é, elas precisam de princípios morais condutivos ao objetivo de viver de forma plena e feliz. Em resposta a essa necessidade, o egoísmo fornece todo um sistema de princípios integrados e não contraditórios, cujo único propósito é ensinar o homem a viver e apreciar a si mesmo.
Em resposta a essa mesma necessidade, o altruísmo diz: não seja egoísta; sacrifique seus valores; abra mão de suas necessidades. Se as pessoas quiserem viver e ser felizes, apenas uma dessas moralidades lhe servirá.
O altruísmo não é bom para as nossas vidas
Se aceito e praticado consistentemente, ele leva à morte. Isso foi o que Jesus fez. Se aceito e praticado inconsistentemente, ele retarda a nossa vida e leva ao sentimento de culpa. Isso é o que faz a maioria dos altruístas.
Um altruísta pode não morrer por causa de sua moralidade – contanto que ele seja infiel a ela – mas também não viverá plenamente. Na medida em que uma pessoa age contra os requerimentos da vida e da felicidade, ela não viverá ao máximo.
O egoísmo é bom para a vida das pessoas. Se aceito e praticado consistentemente, ele leva a uma vida de felicidade. Se aceito e praticado inconsistentemente – bem, não há razão para ser inconsistente aqui.
Por que não viver uma vida de felicidade? Por que se sacrificar em primeiro lugar? Qual é a razão para fazer isso? Em toda a história da filosofia, o número de respostas racionais para essa pergunta é exatamente zero.
Não existe razão para agir de maneira autossacrificial, por isso ninguém jamais conseguiu apresentar uma razão para tal. Nem há qualquer justificativa racional para sacrificar os outros, por isso ninguém jamais apresentou uma razão para isso também.
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Fonte:ideiasradicais/Craig Biddle
Até mais!
Equipe Tête-à-Tête
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